A NEGOCIAÇÃO MAIS DIFÍCIL

Cezar Almeida
Gostaria de lhe apresentar o negociador mais habilidoso e cheio de artimanhas e estratagemas que eu já ouvi falar. Ele é flexível e consegue sair de quase todas as táticas e estratégias que usarmos. Mas antes disso, lembrei-me agora de Domenico De Masi e seu Ócio Criativo, um livro interessante que pode nos ajudar a lidar com esse negociador que já vou lhe apresentar.
O Ócio Criativo, que para quem ainda não leu não é nenhuma ode ao não o que fazer, mas um compêndio de bases sociológicas e antropológicas sobre o trabalho, De Masi relata o método de trabalho de alguns enciclopedistas – Diderot, Rousseau e D´Alembert, d´Holbach e outros. Eles se reuniam em uma casa de campo e pela manhã, cada um em seu quarto, estudavam. À tarde, encontravam-se e cada um lia para os outros o que tinha escrito. Logo mais à noite, dedicavam-se à música e ao entretenimento.
Interessante este método de trabalho por alguns motivos. O primeiro é que eles não tinham preocupações de ordem financeira, o que lhe permitiam ter uma atividade laboral livre. Outro ponto é o fato de dividirem o dia em trabalho solitário, trabalho em equipe e lazer, sim, um tempo para o não produzir. O lazer, e também o sono, tem sido comprovado cada vez mais cientificamente pelos médicos e pesquisadores de diversas áreas, são fundamentais para um bom funcionamento físico e mental de qualquer um. Bons inclusive para trabalhar melhor, depois.
Quando eu tinha dezessete, dezoito anos, eu lia revistas de negócios e só pensava em trabalhar, em ser um homem de negócios, bastante ocupado e sem tempo para a família. Esta visão meio que saltava na minha mente quando via meu futuro. E achava lindo. Nesta época, quem era workaholic admitia numa boa (quase até se vangloriando) nas mesas frente aos amigos e ninguém o recriminava, época em que o objetivo profissional ultrapassava qualquer ambição pessoal. O mundo externo nos chamava para nos apresentar e o mundo interno esquecido, adormecia mais a cada, atrofiando como um músculo sem uso. Não lembro-me de ler em revista alguma (pelo menos não ficou na memória) textos que valorizassem uma vida, desde jovem, equilibrada. Nem também ouvi conselhos assim. O que me lembro, e me contaram, é que quando jovem, forte e viril, temos energia para encarar muito trabalho e assim devemos fazer. E assim fizemos.
Hoje em dia, eu e muitas pessoas por aí, vivem pensando como negociar consigo mesmo para ter o tal equilíbrio que tanto é pregado em quem defende a qualidade de vida. Pois é, é essa negociação por vezes muito difícil e é esse o negociador mais habilidoso de se enfrentar: nós mesmos quando negociamos algo para nós. A dificuldade maior reside no fato de que ninguém mais nos conhece tão bem além de nós. Como é possível negociar e vencer com alguém que sabe de nossos pontos fracos, nossos segredos e de nossas cartas na manga?
Muitos profissionais, executivos bem sucedidos que conheço, vivem questionando-se em como ter mais tempo para si, mais tempo livre, o tempo que a turma da enciclopédia tinha todas as noites dedicadas ao divertimento, ao lazer puro e simples sem nenhum resultado pragmático explicito no final, mas um resultado intrínseco do durante. Pois é, o que precisamos aprender a cada dia é negociar consigo e tornar a estrada mais saborosa para não se arrepender quando chegarmos ao destino final.
Publicado no site Gente & Mercado e no Jornal Tribuna da Bahia em 7/8/2012.